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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

CARTA ABERTA


Oi amigos e amigas

Parei de reclamar da subida

Dois mil e dez já está sem pilha

Foi feito a vida

Acerto e armadilha

Ocaso e alvorada

Bom dois mil e onze

Nem ouro nem prata

Pra mim tá bom o bronze.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

AFINS

E foram beijos mais do que beijos;
romperam as fronteiras das línguas
─ que serpentearam intumescidas
nos céus de um só céu de desejos,

raro superlativo de querência:
um a faca o outro o queijo,
um a fome o outro prato feito,
um o sim o outro indecência.

E foram movimentos sem tempo;
ali conviveram tensão e calma
somados ao doce estranhamento
do corpo mais leve do que a alma.

E foram amplos tudos indigentes;
chamas cheias de suor carburente.

domingo, 12 de dezembro de 2010

VULTOS

Vejo vultos
no escuro
vejo vultos
todos mudos
serão surdos?

Vejo vultos
são absurdos
vejo vultos
não são muitos
têm intuitos?

Vejo vultos?

LUCIDEZ

A lucidez é um fantasma
que, insolente, te ataca,
te segura e desloca
o ocaso à aurora;       

remove o breu das capas,
do Mephisto a maquiagem,
do verso a existência
e do poeta o poema.

A lucidez é vantagem
volátil, desvantajosa:
sua mó tritura as máscaras,
mas também sem dó te isola

no adro negro da razão
onde toda a emoção
agora é água passada
sob a ponte do nada.

A lucidez é um fantasma.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

MEDO

Sim: tenho medo,
um falso receio,
um inquieto
calor discreto

que coze entranhas,
que frita o sono
imerso nas banhas
do abandono.

Meu grito é cego,
só, boquiaberto,
lodo no rochedo.
Sim: tenho medo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

TERZINAS PARA UM GRANDE AMOR - CANTO I

Posso me esfregar nas coxas da madrugada,
espalhar risos fáceis, ladrar feito um cão,
mas é somente sob a luz deste teu olhar

que o dia nasce e não há constelação
em lugar algum, nem nos confins do universo,
que brilhe mais e me tire da escuridão.

Posso me enganar nas armadilhas do verso,
sofrer sozinho e encharcar o teclado,
mas é somente no poema do teu amplexo

que reúno em êxtase os meus estilhaços
onde ninguém mais poderia reconstruir
esta alma hemorrágica e em pedaços.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

INSÔNIA EM ONZE PARTES



RASTRO

O pavio
do amor:
o gemido.


ASAS

O vento
do amor:
o beijo.


ALGOZ

O inimigo
do amor:
o umbigo.


REJEITO

O chorume
do amor:
o ciúme.


REINÍCIO

O caos
do amor:
o orgasmo.


NAUFRÁGIO

A tortura
do amor:
a disputa.


LASTRO

A fortaleza
do amor:
a incerteza.


ALMA

O coração
do amor:
a ilusão.


CHOQUE

O raio
do amor:
o atalho.


CURTA

A falácia
do falso:
a facilidade.


GÊNESE

A origem
do amor:
a vertigem.


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

QUEM SABE

Quem sabe se você decidisse
que este nosso amor fluísse
livre de tantos porquês escondidos
e mais na direção do infinito?

Quem sabe se você concordasse
que apenas hoje nos importa
que o amanhã não abriu a porta
e não pode invadir esta tarde?

Quem sabe a solução da charada
seja só vivermos e mais nada?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

DESPEDAÇADO

Ah se você pudesse
por um único segundo
saber dos cortes profundos
─ tua falta é febre ─

que os gumes do mundo
tatuam na minha pele
(e que servirão aos vermes
num banquete do futuro)!

Viver será preciso
sem o mel do seu visgo?

sábado, 18 de setembro de 2010

INCOMPLETO

Houve um pomar de amor
que nasceu e se espalhou
por entre os sulcos e veios
do solo do nosso leito,

este onde hospedamos
o infinito num pranto
abduzido que eclodia
da fonte da utopia.

Longe de ti o sol é fosco,
há nuncas: o muito é pouco.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

ECOS DO ONTEM

De que jeito arranco este ontem
de mim, droga que seduz e corrompe
a aurora ─ e pretende reinar
sobre as tuas horas e teu ar,

que fecha a porta e a janela,
o tirano enxuto que governa
as terras erosivas da inveja
e o estrago que ela carrega?

De que jeito deleto este eco
(tudo que penso e quase me cega)
intenso, e nos ossos reverbera

diante da razão que me renega
quando de novo e de novo peco
na lembrança que em si desespera?

(com Jorge Cardozo)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

ACUADO

A madrugada retém meus gemidos
entre sinistros becos revestidos
do breu silencioso, do pecado
que o dia tornará encerrado.

Nada mais me resta nesta terra
(de pouco eu te amo, de inveja),
e nem mais do poema tenho medo:
ele não virá nem tarde nem cedo.

Doo esses meus minutos vazios
às nuvens infinitas, ao matiz
furta-cor que o sol equilibra
na força que vem da ventania.

Noite vem; alugo o pesadelo
mas não escapo do seu enredo.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

E


E beijaria toda tua coluna macia
e em cada vértebra e osso a osso
e morderia, amplo, dorso a dorso
e em cada curva, chuva de alegria

e poder ouvir este teu uivo agudo
a exigir mais e mais e mais e tudo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

GORJEIOS XI

Tente emergir das profundezas do umbigo: desconecte-se do cordão que o une a si mesmo; livre-se de você; expulse-se; jubile-se; reinicie-se.


* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

PARA AMAR

Quanto mais se ama menos se pode
conter o magma que se irrompe
de dentro dos teus segredos, do cofre
sepultado no além do longe,

na cova rasa do teu egoísmo
a exalar este nauseoso
chorume do verso carcomido
e que torna o ar fuliginoso.

Quanto mais se ama mais se deve
navegar nos leitos de teus rios
saber quem é veia que te serve
quando tudo parece vazio.

Quanto mais se ama mais se afia
o gume da garra da harpia.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

DESMEDIDO

Este amor

inquieto

nunca se pôs

arquiteto



planta baixa

indeciso

linha parca

impreciso



este nanquim

derramado:

nega o fim

e o pecado



tinta fresca

de orgasmo.



(com Vinicius Silva)

domingo, 8 de agosto de 2010

ESPÓLIO

O que resta ao poeta
além da resignação
de saber que a sua meta
não passa duma ilusão

(pois o poema é cavalo
selvagem; faz da comitiva
do verso, alvo suicida
neste pântano do fracasso)?

O que resta ao poeta?
Uma rara percepção
do poema − uma prisão
que ao mesmo tempo liberta?

O poema não aparece;
nem se Ele fizer a prece.

ISCA

Nada acaba:

fim é fantasma

que todos propalam

mas ninguém resvala;

nada acaba:

fim é cilada

é cão que não ladra

mas que tem raiva

e vil te crava

no auge da fala

da falácia:

o fim é vala.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

OCULTO

Busco o verso voluptuoso

que alforrie toda a imagem

que inunde o que houver de oco

e faça poesia desta tarde.


Busco o verso exasperado

que seja bailarino, mas exato,

que avance além da página

e permita o poema em lágrima.


Busco o verso multifacetado

que expanda todos os sentidos

que dispense os astrolábios

e colha estrelas do infinito.


Busco o que não pode ser achado

pelo poeta, Deus ou o Diabo.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

GORJEIOS X


O hoje de hoje é mais hoje do que o hoje de ontem. O ontem de ontem, continua sendo o ontem do hoje. Legal é nada saber do amanhã do amanhã.


* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS IX

Ando impaciente por demais. Com tudo, com todos. Ai de quem me ama. Mas sou teimoso por demais também. Não valho a pena, mas insisto em mim.



* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS VIII

Tenho dificuldades em me despedir. De tudo. Das pessoas, de um disco, de um livro. De um dia esmo. Eu só consigo é me despedir de mim mesmo.



* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS VII

Nunca gostei de saber da vida de ninguém. O que é importante e significativo chega até você. Espontaneamente. Não gosto nem de saber de mim.



* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS VI

Nunca se pretenda muito. Desgarre-se de você mesmo. Corte o cordão que o une a seu umbigo. Observe de um outro ângulo; pratique a humildade.



* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS V

Eu mesmo me explico quando me complico e me ajoelho nos meus milhos. E visto as minhas preces nuas e ouço os ecos dos meus próprios gritos.



* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani


GORJEIOS IV

O som é uma concessão do silêncio; o gozo, da harmonia; o sonho, da liberdade; o pódio, da disciplina; a morte, da vida e o amor, da utopia.




* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS II

A vida trafega quando, infinita, se desencontra; o fim é um inútil inerte, celeuma. O poema não possui o verso e nem o verso possui o poema.




* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS III

Não há nenhum sonho ou fervorosa prece quando a teimosa saudade é quem velocíssima te amanhece e a manhã que nasce mais parece que anoitece.




* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS

Há vezes que o verso não sai. Muitas vezes. Zanza dentro de você. Atazana as vísceras. Pula. Corcoveia. Dono da farra que não mostra a cara.




* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

domingo, 25 de julho de 2010

MAREMOTOS

Ter esta coragem: a de dar as asas
para quem a macia quentura é o ar
que se tem de, sufocado, respirar
meio às frestas de infinitas casas

de um corpo mais do que um corpo
a doar mil gozos para os meus gozos
de uma alma mais do que uma alma
a diluir entre méis o caos em calma

− antônimo radical do que seja descanso
mas, e sim, de certa vagarosidade acesa
íntima de mil atalhos dos flancos insanos
que velozes rebentam a brasa em labareda.

O amor passeia na chuva e não crê no pranto
pois o egoísmo, o único inimigo, já é oceano.

terça-feira, 13 de julho de 2010

NAUFRAGADO

Emergir de suas profundezas,
tentar sobreviver até à tona,
resistir à pressão de sua sombra
que faz fim de sua parca nobreza

e espalha o olor da sujeira
que você cobriu de covardia,
de armadilha em armadilha,
de avareza em avareza.

Poemas são superfícies falsas,
o ar do verso é mentiroso
e o poeta morre afogado
sem ninguém que vele o seu corpo.

Emergir de dentro de você mesmo
é desnascer além do seu sesmo.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

ANÁLOGOS

Há mil encantos nas nuvens contra o sol
e todos os matizes infinitos de sua paleta:
brancos, ocres, roxos, carmins e magentas
- ocaso furta-cor que sucumbe à noite veloz.

Há mil encantos nos balés dos oceanos
e todos os matizes infinitos de sua paleta:
verdes, pretos, berinjelas e azuis de veneta
que corto com a afiada quilha do meu pranto.

Há mil encantos no poema e até Deus duvida
que é feito a vida: parece, mas nunca foi finita.

MORTO

A solidão me serve um fel amargoso,
este que, dos féis, é o mais poderoso,
pois não há nada mais triste e absorto
(tua ausência que me dói dorso a dorso)

do que o cinza severo a tingir o dia e o choro,
maior do que o mar ─ e que conclui o corpo
sem ladainha nem vela nem reza nem coro:
somente eu posso e ouço o meu grito silencioso.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

RESGATE

O tempo virou batalha
contra essas chibatadas
que a tua ausência
me crava quando alimenta

a minha dor em carne viva
(bem junto da alma aflita)
e me prende num labirinto
sem novelo e sem arbítrio.

Só a tua luz aberta
me ascende das cavernas.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

ENCANTADA

Ainda não pude te ver de perto,
mas em sonhos e versos enxergo
as tuas curvas exuberantes
e teu beijo - concerto do instante -

é foz e nascente dum mel selvagem
que descerra anseios e vontades,
que acha no breu uma nova fresta
por onde a vida se manifesta.

A pá do poema junta meus restos
que te procuram cegos e sedentos
num mar negro - sem fundo e espesso -
do naquim borrado no palimpsesto.

Te amar é recolher encantos
no sal do teu riso e do teu pranto.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

ÂNIMA

Nem mesmo a improvável medida
de todo o tudo do universo,
nem o soluço mudo, esta neve
que me desce e solidifica

a vida que desisto de viver;
e nem Deus saberia entender
dessa dor que reverbera intensa
nos ecos ocos da tua ausência,

esta chuva amaldiçoada
de gritos, de gemidos e de lágrimas,
uma tempestade de saudade
quando te vejo por todas as partes.

Meu corpo ainda acalenta
o mel do teu beijo que me sustenta.

sábado, 17 de abril de 2010

NÁUFRAGO

Não haverá um xis que me zere,
sou de insoluções − pó e febre − ,
infinito − cheio de vazios
que jamais serão preenchidos

pois na liberdade desses espaços
é que o poema reina em mim,
onde há caminho, não o atalho;
onde há capítulo, não o fim.

Não possuo as peças que faltam
no quebra-cabeça da minha vida,
não me respondo nas sabatinas
dos tribunais das madrugadas.

Tirei há muito as mãos do leme:
fiz do vento meu próprio presente.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

AMARIA

Eu acho que te amaria,
sim, sinto, te amaria,
tanto, que ninguém amaria.
Confesso: te amaria,

cuidadoso te amaria,
fogoso te amaria,
vagaroso te amaria,
belicoso te amaria.

Amaria e amaria;
começo e fim: amaria.

terça-feira, 13 de abril de 2010

ASSIMÉTRICO

Caibo em nada; nada me cabe,
sou de avessos - alma e carne - ,
invertido - piso com a palma
da mão de pena atravessada

que impede o encaixe
numa inquieta assimetria,
onde há canastra, não o descarte;
onde há verso, não a poesia.

Assim vou ao meu próprio beco
e teço outra encruzilhada
além do desdém que me ataca,
da tirania do fim e do medo.

Sou só, mó de metro despedaçado
que mói as sobras do meu cansaço.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

FRAGMENTOS

É dentro da orgia do poema
− onde a vida pulsa secreta
no mistério que a sustenta −
que minha alma presa é aberta.

A poesia não é do poeta
e nem luz para a tua caverna.

MARLOS DEGANI: «Poemas». Em: Soneto Partido. Nova Iguaçu: inédito, 2010. Fragmento final – verso 9˚ ao 14˚.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

quinta-feira, 25 de março de 2010

SÓ O AMOR III

O amor dói
(novelo sem linha):
ora te constrói
ora te definha.

SÓ O AMOR II

Comparar o que é incomparável
− o que viaja sem passaportes,
o que dispensa quaisquer transportes,
o que não é aurora nem ocaso,

o que te invade sem alarde,
o que confunde o sul com o norte,
o que em plena tarde te abate,
o que te deixa à própria sorte.

Se eu pudesse, compararia:
o amor é o ar que se respira.

SÓ O AMOR

Este teu amor é milagreiro
e faz de mim um cego bem no meio
do penhasco, onde cada passo
precisaria ser planejado

− ali não há nenhum intervalo,
mas visito e sou visitado
por uma coragem infinita
que me ergue e me ilumina.

Teu amor generoso ensina:
tudo começa quando termina.

terça-feira, 16 de março de 2010

INTENSIDADE

Não há luz no universo
que se compare ao brilho
deste teu olhar infinito
- esplendor do azul aberto

onde o céu está contido
e o mar elege abrigo.
Não há poema ou verso
que traduza o espectro

de uma nova saudade
que me doma e me invade.

sexta-feira, 5 de março de 2010

CIGANO

O poema não tem casa
nem encaixada palavra;
nele não há matiz ou plasma
─ só o desdém à tua lágrima:

é éter que evapora,
que dói e vai embora.

terça-feira, 2 de março de 2010

SALTOS

Virá um tempo
do fim dos fins
feito este vento
a ventar em mim.

Virá um tempo
do entendimento
natural e nascido
na força do infinito.

Virá um tempo
do discernimento
de amor costurado
na tesoura do pecado.

Virá um tempo
do doar intenso

de amor, de asas e deste exercício
de se pular no seu próprio precipício.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

REFLEXOS

Sou mó, só,
e trituro
- faço pó
e mudo

o urro
e sem dó
nego só
o futuro.

É preciso
a carne
e um grito
que abafe

o gemido
que arde
sem alarde
sem destino.

Sou espelho
de mim mesmo.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

AFORISMO DICOTÔMICO

Cada vez mais eu acho:
o poema é o meu Deus
e também o meu Diabo.

ALMIRANTE

Se uma vez eu te amasse,
uma vez só seria pouco
no mútuo nasce e renasce
entre as ancas do teu corpo,

numa viagem sem chegada,
feito aquela do poema,
a de nunca se ter a caça
ou cabaça como emblema.

E a quilha do meu navio
quer singrar o teu mar bravio.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

ULTIMATO

Nunca vi vírus mais fatais
do que estes, os do poema
(camuflagens de esquemas
sem luzes verdes nos sinais),

que convidam o ingênuo poeta
aos brilhos efêmeros duma festa
onde até o tudo parece permitido,
mas é o nada que assina o recibo.

Minha pena é a capataz da tortura
que visto avisado: dela não há fuga.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

EU TE OCEANO

Não me procure dentro de mim,
não tente me domar, me decifrar
nesta reta de começo, meio e fim
que é a tua maneira de raciocinar

o mundo, pois o teu grito é aberto,
trafega volátil no céu e no inferno,
faz do teu abraço, aula de abraçar,
faz do teu verbo, arma de perfurar.

Não me amedronte com conselhos,
não pense que não encaro o espelho;
vejo o infinito refletido no meu olhar
e a certeza: é preciso sempre buscar

a utopia cabal e completa dos sentidos;
um estágio de éter: ali não há o epílogo
intolerante, são livres todas as palavras
do jugo umbilical do poeta escravocrata.

Não me venha com essa ou com aquela:
deixa o meu vento ventar nas tuas velas.

AUTO-RETRATO

Todo de traços falidos,
de aquarelas sem cores
− de dúvidas e infinitos,
de sombras e bastidores,

tomado por este teimoso fracasso:
o de caçar o poema e o seu cabaço.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

AMARGOR

O poema é uma fratura descoberta
da cultura feroz e egoísta do poeta;
e não há mel algum nessa colméia
de favos repletos de pus e miséria.

CANDEEIRO

Essas trilhas do poema
quando flutuo a esmo
(da carne ao esqueleto,
da denúncia à sentença),

imerso neste esquema
de não ter fim nem começo;
blefa: põe fé no tabuleiro
e traveste a algema.

Não há luz no cativeiro:
é do poema o candeeiro.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

SEREIA

Ainda com cascas entre os seus duros lábios,
a morte, num raio, fecha tudo o que se abriu;
ama a vida na dor que sabe a lição do diário:
a chama chama, mas não pode beijar o pavio.

A PARTIR DO A PARTIR

De fato disposta a morte é uma viciada,
não lhe importa saber se tudo ou se nada,
mas há tanta vida no meio, no pomar lotado,
que ela morde a maçã: viver é o seu pecado.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

CRISTALINA

A morte é um velocíssimo tropeço,
não tem fim ou meio, mas começo;
não há destino de onda em sua vela:
a morte é o vidro chovido da janela.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

TOLICES

Tem gente que acha a loucura um preciosismo.
Tem gente que defende que só há a sua sensatez.
Tem gente que mescla a poesia com o umbigo.
Tem gente que pensa que o poema era uma vez.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ALFAIAS

Ai do poeta que tem verdade
que acredita na força da pena
que pode outorgar a sentença
do verso ou da sua intimidade.

Ai do poeta, do seu trêmulo estandarte
que se desfaz na brisa rubra da tarde.

SÓ E SEM

Houve aquele tempo estranho
quando a noite só trazia pranto,

grito, cheiro de flor, soluços, espanto,
insônia, nicotina, pílula, desencanto.

E insisto vivo no visgo deste tempo de fuga
onde o meu choro ainda só chora na chuva.

sábado, 16 de janeiro de 2010

AUSÊNCIA FATAL

Minha saudade não é aquela presa ao retrovisor
que somente faz nó com o gozo do que já passou.

Mas é a tua afiada ausência que faz sangue neste agora
feito uma silenciosa guilhotina que se irrompe e me degola.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

DESAFIO X

Encerro no dez esta série cínica
que serviu apenas para o nada
pois o poema não é a palavra
lançada e não mora na ferida

do poeta imerso em seu umbigo
que se define o patrão do infinito
e faz do verso um conto de fadas
a serviço da sua próxima lágrima.

E nunca aposte nenhum centil na esperança:
o poema declina. Não tem par em sua dança.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

DESAFIO IX

A pior armadilha que se possa armar
é a que oferece, nos bordos do umbigo,
este quase irresistível e fatal batismo
de poeta: versador pronto para versar.

Somente o malandro é quem afasta
o embate direto da chama e do pavio
pois nenhum deles vence o desafio
que apenas existe porque não acaba.

Sigo fissurado e perdido no breu sem mapa
desta conectada cilada azulada de plasma.

domingo, 10 de janeiro de 2010

DESAFIO VIII

Minha teimosia insiste na farsa
de inutilmente lançar falácias
instantâneas (tecladas na tela)
nesta vil ilusão que reverbera

o eco oco, o decibel do nada,
um timbre oculto, às avessas,
que reabastece a pena cega,
esma, rombuda e sem estrada.

Espera um dia; a brincadeira acaba:
nos sete palmos úmidos da palavra.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

DESAFIO VII

Outra vez aqui fingindo-me solto
(num parto exposto de palavras
diretamente digitadas neste plasma)
a amamentar o embrião natimorto

que nenhum deus poderá salvar
pois não há substância no colostro
do improviso, da maquiagem barata
que atenua a palidez do seu rosto.

O poeta continua a brincar de poeta;
mas não esconde a dor que o atravessa.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

NA DOR

Há na dor somente um sortilégio
— que não passa pela ubiqüidade;
cada dor sabe de que jeito arde
e do nome que há no batistério:

culpa, orgulho, adultério,
desamor, ciúme, falsidade,
inveja, soberba, critério,
epílogo, mentira, verdade,

ignonímia, ódio, saudade,
abandono, invisibilidade,
discriminação, arrogância,
injúria, mordaça, ignorância.

Há na dor uma altiva certeza:
ninguém escapa da sua presa.

DESAFIO VI

A palavra é química maldita
que te invade pelas narinas,
faz do não, sua breve piada
e parte sem ser anunciada.

O poema é a antítese fugidia
que contém o tudo e o nada,
ingredientes desta armadilha
- a de não saber o que se caça.

Pode haver a palavra camuflada nos estilhaços;
mas não há o poema: nem nos pequenos frascos.

Marlos Degani

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Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Participa do grupo de poesia Desmaio Públiko em Nova Iguaçu. É jornalista, escreve crônicas periódicas no sítio do Baixada Fácil www.baixadafacil.com.br e lançou de seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2007 e um CD de poemas chamado MARLOS DEGANI - ATÉ AGORA em 2009, com a sua poesia completa (édita e inédita). Lançou em set/14 seu segundo volume de poemas chamado INTERNADO no formato e-book, já disponível nas melhores virtuais. Contato: marlosdegani@gmail.com