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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

VAZIOS

Não há dores, enfim, e nenhuma,
que caibam no disforme poema,
pois delas, e somente, ele se alimenta,
e, também, são as origens da sua fortuna

que ilude e seduz numa clássica cilada
― o falso poder da euforia do guardanapo ―
a alma ingênua do poeta que acreditava
na força frugal da sua improvável palavra.

Para os que rejeitam a lição desta única aula,
o poema alça o seu vôo veloz e vai-se embora:
condena, implacável, os mancebos às fábulas
dos mil versos vazios em seus livros sem páginas.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

SOBRE A NOITE

Cerco a noite
e farejo suas sombras
ausentes, camufladas.

Cerco a noite
e assim, no breu, dissipo e abafo
o estrilar silencioso do meu brado.

Cerco a noite
e desconheço o que me aguarda:
se pistas do poema ou ciladas.

Então ― cerco a noite ― e insisto
em naus a pique, imerso no desabrigo
feito se fosse um náufrago distraído.


(Cézar Ray e Marlos Degani, in NI, manhã de sol, brejas e papel de mesa, 2006)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ENSAIOS

Será que sabes desta agonia
que, ligeira, transmuta o meu sangue
(numa intumescida alquimia)
a partir do efusivo instante

em que surges, ampla e cintilante,
por entre os vazios do meu dia,
entorpecendo-os − à revelia −
com o teu elixir paralisante.

Lateja nos ramais das minhas veias
um rio − de tirana correnteza −
tenso − de lava e de labareda −
que atiça a febre dos gametas.

Quero o teu tudo − todo − imerso
no mar do meu gozo e do meu verso.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

SOBRE A DÚVIDA

Será que estamos aqui postos neste chão
para acrescentar variadas experiências
e sofrer com a dor profunda das penitências
impostas por tudo em que não há definição?

O que é o amor? A arte? O que é evolução?
Por que insistimos em caçar algumas raízes
e de tentar transformar em teoremas exeqüíveis
as lacunas cujas hachuras residem na inexatidão?

Por que somos viciados nos lastros do passado
que não admitem nem o alho e nem o bugalho
mas apenas as normas e clausuras desenhadas nos rastros
que apontam somente um caminho e sonegam os atalhos?

Há coisas que prefiro manter sempre frementes:
feito o poema; e assim poder buscá-lo eternamente.

sábado, 10 de dezembro de 2011

CONVICÇÃO

Ai de mim se não fosse poeta,
alcunha um dia rejeitada veemente
e que até hoje insiste estridente
no pavor de não honrar a tarefa,

pois não há êxito nesta busca que é aberta
e sem ponto conclusivo, missão que não oferta
epílogos, já que sempre estará incompleta,
cheia das lacunas que nem Deus as encerram.

Ai de mim se não fosse poeta,
este escriba sócio do infinito,
sabedor da carcoma que o injeta
na penumbra do verso aflito,

que ao mesmo tempo em que o tortura
nesta sua derrota que é pré-determinada
― a dimensão úmida do breu da clausura ―
o salva da falácia do fim e do fedor da sua vala.

Ai de mim se não fosse poeta,
este escravo que detém o alerta
que arde agudíssimo e decreta:
― Alforria as rodinhas da sua bicicleta.

CHAMAS


Mesmo que a misteriosa ponte
ainda não tenha sido erguida,
algo rabiscou o nosso horizonte
e decretou ao coração outra batida,

outro compasso de vez acelerado
que destoa da calma serena e da paz
que provoca o medo de não poder mais
camuflar este incêndio vil e ampliado

de querer-te além dum poema permitido
(e de avançar louco no teu corpo proibido).

CINZAS

O meu mundo sem você é o circo
onde o insone palhaço pediu licença,
pois desde a sua partida
fria e intensa,
ele
procura e não acha nenhum sorriso,

feito navegar num rio que perdeu seu leito,
feito o sol que cabulou o dia e não nasceu
e fez perdurar a noite nos breus dos becos
para velar a minha vida que sem você morreu.

MILAGRE

Queria poder tomar emprestado o teu olhar,
este teu sentido amplo que consegue enxergar
as minhas sombras escondidas, os mil becos
senhorios dos meus medos, os frágeis enredos

de uma mesma história contada ― e fracassada
no lastro de arquiteturas em margens de praia,
do castelo ali construído que somente se depara
frente à rápida espuma da próxima ressaca.

Queria poder tomar emprestado o teu olhar,
este do modo seletivo, um filtro que decanta
vagarosa e sabiamente meu lago, meu mar
e o vento que sopra na minha vela que se levanta

qual fosse uma bandeira esculpida em puro titânio,
forte, rígida, indelével, um imponente manto:
o motor da minha nau e o colo do meu pranto
que perambulam perdidos no breu dos oceanos.

O poeta teimoso insiste na trama e sempre sonha
o sonho de mil quilates, de mil potes que nunca se realiza:
mas é do soluço molhado e sussurrado na minha fronha
que o teu olhar se traduz neste milagre que me ressuscita.

30 CONCRETOS

As horas velozes
daquelas madrugadas
(secretas e bandidas,

recheadamplas dos tremores
de mãos completamente asas
e dos desejos sem palavras),

não acenderam a necessária dinamite
que implodiria este espessíssimo muro:
vil masmorra do nosso amordaçado urro.

Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Participa do grupo de poesia Desmaio Públiko em Nova Iguaçu. É jornalista, escreve crônicas periódicas no sítio do Baixada Fácil www.baixadafacil.com.br e lançou de seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2007 e um CD de poemas chamado MARLOS DEGANI - ATÉ AGORA em 2009, com a sua poesia completa (édita e inédita). Lançou em set/14 seu segundo volume de poemas chamado INTERNADO no formato e-book, já disponível nas melhores virtuais. Contato: marlosdegani@gmail.com