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sábado, 22 de dezembro de 2012

POUCO A POUCO


As pálpebras da tarde
− em raro escarlate −
sucumbiram ao peso
e ao desassossego

febril do breu da noite
que veloz e audaz
apaga horizontes
e cega astrolábios.

O nanquim que tingiu
o céu não dividiu
a escuridão plena
da dor que representa

esta tua ausência,
esta sede sedenta,
esta cor modorrenta,
esta peste endêmica

e que sem dó desdenha
da minha morte. Lenta.

domingo, 2 de dezembro de 2012

ILÍCITA


 Teu corpo é uma nítida imagem
  teimosa ― bandidos flashes repentinos

  que espocam clandestinos nos meus sonhos
  recheados de sussurrantes desejos proibidos.

 
  Teu corpo estrelado se transformou
  numa implacável e falecida esperança

  já que nenhuma fé, oração ou artimanha
  é capaz de mover um palmo desta montanha.

 
  Teu corpo permanecerá de vez sonegado
  sem unguento para aliviar esta tortura

  a traduzir o teu límpido olhar que acusa:
  agridoce é o pavor de saber-te minha cura.                             


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

BASTA


Vou dar um basta,
contudo, há?
Lê e escreve?
Qual o remédio

que usa? Uca,
fumo, clausura,
ácido, grito,
bala ou tiro?

O tal de basta
(pura falácia)
traz muitos nomes
que se escondem

entre os eixos
da madrugada
de breu, de beco
(pura cilada).

A alvorada
reduzirá
em rudes cinzas
a ladainha

de um poema
− feito o basta –
que não se basta,
mas te enfrenta.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

TUDO


Mesmo que mil da Vincis se juntassem,
não seriam finalmente capazes
à tradução numa obra de arte,
dos bordos, das cores, da majestade

deste teu par – ímpar – mais que perfeito
(de seios, além de seios, de pêssegos)
que o meu olhar exige despido,
ainda que sob o linho dos linhos.

Assim, sonho com o teu calafrio
nas macias esquinas de mamilos
em riste, trêmulos, intumescidos
e orvalhados pelo infinito.

Meu verso, agora, é o teu súdito
e a minha guerra e o meu mundo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

SONETO PAPO RETO


Alguém mais pode, um tanto que fosse,
ser mais bonita, mais exuberante
(que reclassifica o horizonte
e atiça as chamas dos amantes)?

Dona dos cabelos esvoaçados,
da boca desenhada que carrega
o clamor para todos os pecados
da minha clava na tua caverna.
.
Há, porém, algo a ser reparado,
já que a beleza abre as portas,
mas cobra bem de quem não se comporta
e tem vertigens à beira do palco,

este, do qual necessita descer,
voltar ao chão: brotar e renascer.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

EPÍLOGOS


Sou um poço de vícios,
uma luz apagada,
um estranho no ninho
que a lucidez bate
com cinta de espinhos
até quando a tarde
reza pelo epílogo
do ocaso da carne.

Sou a sobra do dia,
o que, na madrugada,
se desenha sob trilhas,
esgotamento, fábulas
e inúteis bravatas
que, diante do crivo
do sol, viram fumaça...
Insistente destino.

Sou um rio sem leito,
esmo, sem correntezas,
sem quilhas, sem estrelas,
onde não há desejo,
senão o de dar fim
à vida que, em mim,

foi feito o poema:

só a dor os algema.

sábado, 20 de outubro de 2012

PALAVRA


Minha palavra não basta;
palavra: poeira rala,
palavra que fala
em mudez alta.

Quero a palavra
que liberte a calma
do corpo e da alma.
Qual a palavra?

Bolsa? Bússola? Navalha?
Qual será a palavra?

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

MERGULHO


Morrer é muito pouco
não mata esta sede,
não preenche os ocos
por dentro das paredes
duras e dum concreto
espesso, indelével
feito de pedra, trago,
seringa e tabaco.
Escrevo e não acho
o que tanto procuro
e sei que o fracasso
cobre o meu futuro
− dízima periódica
e todos os seus números
que geram novos códigos
deste mundo inútil.
Minha dor é vampira,
se morre, ressuscita,
se sangra, cicatriza,
se morde, contamina
as entranhas da vida
e treme o meu verso,
sua o meu caderno,
molha a minha trilha.
Tem cor o meu abismo:
o breu do infinito.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

AGORA


Rubra é a aposta que colore
meus pensamentos que, ultimamente,
exploram uma única hipótese:
amar-te já; imediatamente,

músculo a músculo, ai a ai,
colo a colo, sêmen à semente,
pois quando dois urgem o mesmo brado
algemam o tempo; só há presente.

É lívida a cor da minha face.
É metal este desejo que nasce.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

ALVA − Alvo −


O teu sorriso é feito um guia,
um farol, um imã para a minha
quilha, um delicado astrolábio,
uma estrela sedenta, um arco

de carnes trêmulas, portão da língua
que quero mais do que a cocaína,
mais do que o fumo do meu cigarro,
mais do que o alto grau do meu trago.

O teu sorriso é o passaporte
para a terra dos gemidos fortes,
onde o tempo não passa dum tempo
e a morte, dum orgasmo intenso.

O teu sorriso agridoce brilha,
vela no breu: o sol do meio-dia.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

SOMENTE


Quando te amo
− carnes em carnes,
prantos em prantos,
partes em tardes –

assim, de tanto
modo sem modos,
assim: sem norte
e sul e santo,

solto o tempo
das minhas garras
e redesenho
as alvoradas.

Quando te amo
somente amo.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

LEVE


    
Nada: nem erva,
nem pó, nem lapada,
nem pico, nem bala,
nem ácido, nem pedra.

Nada é mais caro,
nada se compara
à onda que me espalha
no levitar do teu barato.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

AINDA É CEDO


Sim, sei que sabes muito bem
de que não somos permitidos
pois nem sequer me deu ouvidos
a este tanto que ninguém

além de ti provocaria.
Imagino: que bom seria
guiar-te pelas tuas curvas
que ainda estão ocultas.

Mas que dó! Por que dispensar
o que com outro não terás?

segunda-feira, 12 de março de 2012

SINAL DE PAZ

Não perca tempo!
O teu discurso
contém o tudo
que eu dispenso

(o alto peso
das tuas cercas
de nós, de medo
e de certezas).

Não adianta!
Vivo a vida
atrás do samba
de cada dia.

EM CHAMAS

Teu corpo é a majestade
do nosso reino ofegante,
das onomatopéias fartas
no dialeto dos amantes.

Que tipo de poder emanas?
Um que traz esta paz em chamas?

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

VIDA

A vida é uma encarnação
liberta e além dos preconceitos,
esta quase perfeita criação,
a dramaturga que tem o poder

de mostrar o muito que há no pouco
e o pouco que há no boquirroto;
nota que o silêncio é ouro
e a língua o bodoque do corpo.

Quando ressurge ainda ecoam
ais saídos ninguém sabe de onde.
Somente este seu estratagema
move ao infinito o poema,

esta incompreendida anarquia:
gozar os agoras todos os dias.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

ARAPUCA

Tua beleza vem de que lugar
(não do Olimpo, já que Afrodite
te jubilou dos céus, inconformada
com o alvoroço do teu desfile)?

Que lavanda perfuma a tua alma
(quem sabe aquela almiscarada
que borrifaste por todo o corpo
fios a pavio, dorso a dorso)?

Qual a estrela que te ilumina
(esta que te foca e me fascina
desde o instante arrebatado
quando ao longe te miro e te caço)?

Como escapo deste teu feitiço?
O que me prende ao mel do teu visgo?

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

INVERTEBRADO

O verso nunca diz tudo que sabe
(pois haverá de se ter no futuro
− que rapidamente será passado −
um que o tempo salvou do escuro);

não diz porque quer, mas porque não pode
adestrar o fluxo das ampulhetas
que persegue o presente e deita
o peso de seu ligeiro galope.

E mesmo que seja para o nada
é por meio desta arquitetura,
desta cal, que toda a estrutura
do poema − pura fé − se espalha

nos desertos, na areia do verso
que o vento espana por completo.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

CARMA

Não! Por favor, não venhas me dizer
− numa pose do alto do teu salto –
que dentro dos meus olhos nunca leste
o tenso desejo amordaçado

entre as chamas de mil labaredas
e o asfixiante soluço
intermitente desta febre tesa
que te convoca num gemido mudo.

Será que estou mesmo condenado
à sina que transforma em fracasso
tudo o que almejo, o que caço
breu a breu, de ocaso a ocaso?

Teu corpo é feito o tal poema:
quanto mais distante, mais me algema.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

DELÍRIOS

Seria assim feito
um crime perfeito:
minha mão no teu seio,
meu ar quente e bandido
nas costas do teu infinito,

num silêncio arfado,
cristalina nudez conivente
que afastaria os pecados
e se encerraria feito um amém
quando eu te cravasse os dentes;

sorveria as ondas do teu pescoço,
lado esquerdo, lado direito, lados unidos
por uma só barulhenta lambida
que desceria agora pelas vértebras,
uma a uma, nervo a nervo, osso a osso,

curva a curva, medula a medula, dorso a dorso
e se estenderia até ao cóxix pontiagudo
quando deitaria-te dez dedos nesse mar macio
e curvaria-te submissa à beirada da cama:
poria-te loba, toda, toda cachorra.

Abriria incisivo tuas bundas rarefeitas
e avistaria paraísos intumescidos;
largaria-te a mão, esfregaria teus buracos
molhados: ouviria teus solos desafinados,
tuas onomatopéias incompreensíveis,

tuas palavras dispersas, sussurrantes,
tua língua de fora e passeadeira pelo buço.
Veria tuas mãos amassando os lençóis,
teus cabelos em plena revolução fremente
e o mundo todo pintado da tua cor de perfeição.

Acordei de supetão.

GUARDIÃO

Clamo ao fantasma que me habita

um só momento solto destas algemas

que enclausuram de forma definitiva

a vontade passageira de admitir o poema,


de passear serelepe na orla de um mar

qual fosse a exatidão perene das baías,

de poder chamar o pôr-do-sol de poesia,

livre dele e da censura do seu crivo tutelar,


vigilante e atento, que, até durante o meu sono,

crava nos íntimos sonhos a sua pena de ferro

a borrar qualquer tentativa do poema aberto,

negando-lhe a matéria do alto do seu trono


silencioso que orbita por entre céus efêmeros,

pois o horizonte que busco é utópico e inexistente;

ouço apenas um recado deste obsessor que me atormenta:

― O poeta não tem saída: só lhe resta a derrota do poema.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

SOBRE A SAUDADE


Sábia e econômica, a saudade
habita a estrada da verdade,
daquilo que é verdade, que arde,
explícito algo sem rédeas, ondas em disparate;

vem como visita sem convite, sem alarde,
passageira de uma insólita viagem
mesclada entre o receio e a necessidade
de amor, de sexo, de tato ou de amizade.

Ninguém a observa quando verseja,
nem vulto, nem estampido, nem estandarte:
ocorre na trêmula margem da maré cheia
num hiato permissivo da vida e o do que fora arte

— quadro daquele instante,
poema do envelhecido guardanapo,
escultura do inesquecível,
sinfonia da tranqüilidade,
gravura do simultâneo,

clique da claridade,
dança do gozo,
ato da sintonia,
cenário da harmonia,
instalação do prazer,
ópera da amplidão
num roteiro das rosáceas.

Pode ser Buda, pode ser Oxalá
ou um pêndulo dúbio da alegria
e também o do lado da agonia,
das chamas do inferno,
do anticristo na sacristia.

Conforta o hoje,
mas no agora
é a que desespera
— rainha dos escombros —
é do caminho, a camuflada pedra;

é a dois-em-um,
a dicotomia,
o passo em falso,
a surpresa que ressuscita
e o zumbi que medra.

É a fada, a bruxa dos feitiços,
a quintessência dos extremos:
abraça e nocauteia,
ferve e congela,
paralisa e samba;

faz e não acontece,
purifica e envenena,
anula e impulsiona
deixa e apreende,
muda mas estaciona;

Lê e não decifra,
recomeça e termina,
beija mas não emana,
decide mas não vota,
enfurece mas não espanta;

morde e amortiza,
condensa e sublima,
cresce mas não levanta.
Eterniza mas sacrifica,
ama mas não encanta.

Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Participa do grupo de poesia Desmaio Públiko em Nova Iguaçu. É jornalista, escreve crônicas periódicas no sítio do Baixada Fácil www.baixadafacil.com.br e lançou de seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2007 e um CD de poemas chamado MARLOS DEGANI - ATÉ AGORA em 2009, com a sua poesia completa (édita e inédita). Lançou em set/14 seu segundo volume de poemas chamado INTERNADO no formato e-book, já disponível nas melhores virtuais. Contato: marlosdegani@gmail.com